The Voice Of The People

sábado, 3 de agosto de 2013

Mensalão


Em 2005 fomos bombardeados por reportagens e entrevistas sobre o que ficou conhecido como o “Mensalão”. Mas muitas pessoas até hoje desconhecem o que foi o maior caso de corrupção que mais uma vez lesava os seus direitos, que afirmava ainda mais a desconfiança na política do país, mas não sabem como funcionava e como agia essa “sofisticada organização criminosa”, nas palavras de Roberto Gurgel, o procurador geral da República.
Em comemoração há um ano que se iniciou o julgamento do “Mensalão”, mudando a história e cultura de transgressão que sofríamos há anos, onde os poderosos nunca eram punidos, traremos o livro “Mensalão: o julgamento do maior caso de corrupção da história política brasileira”. O livro revela como funcionava o esquema de corrupção, os fatos que ocorreram depois de revelado o esquema, as medidas que foram tomadas, as manobras do governo para tentar impedir uma CPI, e os fatos desde a CPMI dos correios em 2007 até a condenação dos réus pelo STF em 2012. Você vai conhecer e relembrar nomes importantes dessa história, e se surpreender (ou não) com nomes que fizeram parte do esquema e continuam circulando livremente pelo país, alguns que até são considerados como heróis pelo povo.
O autor do livro é Marco Antônio Villa, bacharel e licenciado em História, mestre em Sociologia e doutor em história (todos pela USP). Professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), é autor de diversos livros. Homem disciplinado, que participou de todos os quarenta debates sobre o julgamento do mensalão, chegou invariavelmente na hora combinada. Antônio Villa não é de perder tempo com fatos irrelevantes, sabe separar o essencial do acessório e com clareza e concisão, conta o caso como o caso foi.
“O autor se dispensa de minuetos retóricos para criticar a impontualidade, as tradições empoeiradas ou a linguagem pedante e verborrágica cultivadas pelos ministros, ou para desmontar a argumentação indigente dos advogados de defesa, demolir o palavrório dos cúmplices de toga, exasperar-se com o cinismo dos comandantes da quadrilha e celebrar o triunfo da decência. O olhar honesto do historiador é especialmente impiedoso com personagens como José Dirceu, que seria o presidente da República se não houvesse um mensalão em seu caminho, ou Ricardo Lewandowisk, um advogado de defesa disfarçado de Juiz. Mas não poupa sequer os que contribuíram para tornar o Brasil menos cafajeste”. – (Veja: O historiador do mensalão – 5 de dezembro de 2012)

Eu tive a oportunidade de ser presenteado com um exemplar desse livro e me surpreendi com a leitura e faço questão de recomendar essa história que faz parte da minha vida e de todos os brasileiros, e que jamais deve ser esquecida, para que fiquemos mais atentos nas próximas eleições e possamos votar com consciência. Eu sei que muitos não gostam de política, que acham a política suja, eu também pensava assim, mas na verdade quem faz a política do nosso país ser ruim como ela é, são exatamente os maus políticos que colocamos no poder, esse tem sido um assunto muito discutido no ultimo mês, pois a política só beneficia o poder, necessitamos de uma reforma política. Então devemos participar, conhecer, pesquisar o passado dos candidatos, e construir um voto consciente, devemos participar para que assim possamos reivindicar, cobrar o que foi prometido, cobrar nossos direitos.
Recentemente vimos à força do povo, quando saímos às ruas e começamos a reivindicar os nossos direitos, os governantes viram que o povo é quem faz esse país e que não vamos aceitar mais descasos e corrupção como esse relatado no livro “Mensalão”. Foi devolvida ao povo uma esperança perdida, uma idéia de que a impunidade já não reina mais, que a justiça foi feita e que podemos ter dias melhores. Mas precisamos que ainda mais pessoas entendam o que está acontecendo e lutem pelo que é seu, só assim conseguiremos mudar efetivamente esse país.
A seguir descreverei a sinopse e alguns trechos do livro, e alguns links para quem quiser adquirir, o livro é excelente e tenho certeza de que todos irão gostar.

SINOPSE
PARECIA QUE TUDO, COMO DE HÁBITO, ACABARIA EM PIZZA.
Um julgamento, dezenas de ilustres advogados (pagos a peso de ouro), muito falatório e a absolvição de todos os réus. Mas, para o nosso bem, o script deu errado, muito errado. No julgamento mais transparente – e mais importante – da história do Supremo Tribunal Federal, com um processo de mais de 50 mil páginas, duas centenas de volumes, com todas as dezenas de sessões transmitidas em tempo real pela televisão, amplo direito de defesa e manobras proletórias – absolutamente legais – de todo tipo, finalmente, depois de 3 meses do inicio dos trabalhos, foram proclamadas as sentenças: 25 réus condenados. E muitos a regime fechado. Fez-se justiça. Ainda que tardia. Pode ser o início da refundação da República, em que os marginais do poder, na feliz expressão do ministro Celso de Mello, Não passem de uma triste lembrança de tempos sombrios.

ORELHA DO LIVRO

Um tribunal, 11 ministros, 5 mil paginas, 235 volumes, 600 testemunhas, 5 anos de investigações. Tudo transmitido pela televisão. Como em uma novela, teve torcida pela punição dos vilões, núcleos de participantes bem diversos, mas inter-relacionados, risos e choros. E um final com condenações, para alegria geral (ou quase...).

Os ministros do Supremo Tribunal Federal viraram figuras conhecidas do grande público. Seus votos foram comentados nas ruas. Receberam elogios e críticas. O STF – sempre tão inacessível – passou a fazer parte da vida dos brasileiros, o que é muito bom.

A Ação Penal 470 – designação oficial do processo do Mensalão – levou ao julgamento mais importante da história do STF. Pressão, ameaças e bate-bocas acabaram fazendo parte de todo o processo. Afinal, estava sendo julgada uma tentativa de tomar o aparelho do Estado por meio de uma “sofisticada organização criminosa”, que nas palavras do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, tendo como líder o ex-ministro José Dirceu, considerado pela acusação como o “chefe da quadrilha”.
(Roberto Gurgel - Procurador-Geral da República)

Os principais acusados exerceram funções políticas importantes no primeiro governo Lula e no Partido dos Trabalhadores.  Outros, como publicitários, políticos e banqueiros, ficaram conhecidos pela participação no esquema criminosos.

Nunca houve um julgamento como esse, tão importante para o futuro da democracia brasileira. Este livro conta essa história, desde o surgimento da primeira denúncia de corrupção nos Correios, em 2005, até a condenação dos 25 réus, no final de 2012. Todas as sessões do julgamento foram reconstituídas minuciosamente, dando voz aos seus participantes. E, depois de dezenas e dezenas de horas, muita falação e citações em latim, fez-se justiça.

TEXTO QUE ANTECEDE O SUMÁRIO

Esse processo criminal revela a face sombria daqueles que, no controle do aparelho de Estado, transformaram a cultura da transgressão em prática ordinária e desonesta de poder, como se o exercício da instituição da República pudesse ser degradado a uma função de mera satisfação instrumental de interesses governamentais e de desígnios pessoais. Esse quadro de anomalia revela as gravíssimas consequências que derivam dessa aliança profana, desse gesto infiel e indigno de agentes corruptores, públicos e privados, e de parlamentares corruptos, em comportamentos criminosos, devidamente comprovados, que só fazem desqualificar e desautorizar, perante as leis criminais do país, a atuação desses marginais do poder.

Estamos a condenar não atores políticos, mas protagonistas de sórdidas práticas criminosas. Esses delinquentes ultrajaram a República. É o maior escândalo da história.

CELSO DE MELLO, ministro decano do Supremo Tribunal Federal.

APRESENTAÇÃO (Trechos)

Foi estarrecedor ouvir depoentes que tratavam de desvios de recursos públicos, de pagamento de campanhas eleitorais (como a presidencial em 2002) e da compra de apoio político no Congresso com enorme tranqüilidade, como se toda aquela podridão fizesse parte do jogo político em qualquer democracia. E quem agisse de forma distinta não passaria de um ingênuo. Em resumo, ai déia propagada pelos depoentes era de que a política sempre foi assim.” – (pág. 11 e 12).

O ápice das manobras de coação da Corte foram as reuniões de Lula com ministros ou prepostos de ministros. Se o Brasil fosse um país politicamente sério, o ex-presidente teria sido processado.
Com o tempo, foram ficando mais nítidas as razões do ex-presidente para pressionar o STF a fim de que não ocorresse o julgamento. Afinal, ele sabia de todas as tratativas, conhecia detalhadamente o processo de mais de 50 mil páginas sem ter lido uma sequer. Conhecia porque foi o principal beneficiário de todas aquelas ações. E isso é rotineiramente esquecido. Afinal, o projeto continuísta de poder era para quem permanecer à frente do governo? – (pág. 13).

O ministro Celso de Mello, decano do STF, foi muito feliz quando considerou os mensaleiros marginais do poder. São marginais do poder, sim. Como disse o mesmo ministro, “estamos tratando de macrodeliquência governamental, da utilização abusiva e criminosa do aparato governamental ou do aparato partidário por seus próprios dirigentes”. E foi completado pelo presidente Ayres Britto, que definiu a ação do PT como “um projeto de poder quadrienalmente quadruplicado. Projeto de poder de continuísmo seco, raso. Golpe, portanto”. Foram palavras duras, mas precisas. Apontaram com crueza o significado destrutivo da estratégia de um partido que desejava tomar para si o aparelho de Estado de forma golpista, não pelas armas, mas usando o Tesouro como instrumento de convencimento, trocando as balas assassinas pelo dinheiro sujo. – (pág. 14).

MIOLO DO LIVRO (Trechos de textos do livro)

O ASSALTO

Como em um conto de fadas, um dia o encanto se quebrou. O “encanto petista” se desfez em 15 de maio de 2005. Era um domingo. A edição 1905 da revista Veja chegou às bancas com uma reportagem especial que desencadearia uma crise política sem precedentes. Luiz Inácio Lula da Silva já havia completado metade do seu mandato presidencial. – (pág. 19).

[...] A partir de um vídeo de quase duas horas de duração, obtido com empresários que tentavam participar de processos licitatórios e haviam filmado o pedido de propina feito por um funcionário da estatal, a revista revelava que o chefe do departamento de contratação e administração, Maurício Marinho, havia cobrado 3 mil reais dos empresários a título de “acerto”, para que pudessem atuar como fornecedores dos correios.  
A denúncia da revista se assemelharia a outros tantos casos de corrupção, não fosse o fato de que, durante a conversa filmada pelos empresários, o funcionário tivesse citado o deputado Roberto Jefferson, do PTB-RJ, como fiador do esquema: “Ele me dá cobertura, fala comigo, não manda recado [...] eu não faço nada sem o consultar. Tem vez que ele vem do Rio de Janeiro só para acertar negócio. Ele é doidão”. As declarações de Marinho detalhando como funcionava a arrecadação de recursos ilícitos na estatal descortinavam não apenas o funcionamento de um vasto esquema de corrupção, que envolvia vários setores da estatal, como também trazia para o primeiro plano pessoas mais próximas ao presidente Lula e ao PT, como Roberto Jefferson, cujo partido fazia parte da base aliada do governo no Congresso Nacional. – (pág. 20 e 21) – (citação Folha de São Paulo e O Estado de São Paulo e da revista Veja).
(Edição 1905 da Veja que revelava o caso de corrupção)
Ainda na segunda feira, à noite, em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, o ministro da Casa Civil José Dirceu disse que não via necessidade de prestar solidariedade ao deputado Roberto Jefferson, como pediam alguns líderes do PTB, nem concordava com a criação de uma CPI para investigar as denúncias publicadas na véspera. “Não concordo com a CPI porque todas essas providências já foram tomadas”, disse o ministro na ocasião, ao se referir às medidas tomadas pelo governo, como o afastamento de Maurício Marinho de suas funções e a abertura de inquérito pela Polícia Federal – estratégia do governo para se adiantar à movimentação da oposição e mostrar que a CPI era desnecessária. – (pág. 22)
(José Dirceu, considerado pela acusação como o "chefe da quadrilha")
Diante da possibilidade de uma CPI, o governo, que claramente, não tinha interesse num processo investigativo que pudesse atingi-lo, começou a se movimentar para impedir a instauração da Comissão ou enfraquecer seus trabalhos, caso fosse derrotado em seu esforço para inviabilizá-la. Se, inda assim, a oposição saísse vitoriosa, o governo poderia instruir sua base a simplesmente não indicar o nome dos membros governistas ou mesmo tentar controlar os trabalhos da CPI com a indicação dos cargos de relator e presidente da comissão – o que de fato ocorreu. (pág. 24)

[...] o Brasil foi apresentado a um novo personagem da sua história, típica criação dos tempos petistas: Marcos Valério Fernandes de Souza, mineiro, nascido em Curvelo, 44 anos, publicitário e sócio de duas empresas de propaganda, a SMP&B e a DNA. Num instante, virou um personagem comum para todos os brasileiros. Ocupou amplo espaço na imprensa, no momento em que não havia distinção entre o noticiário policial e o político. Valério, ainda durante a campanha eleitoral para presidente em 2002, aproximou-se do PT. Tinha faro. Sentiu a possibilidade de realizar bons negócios. No partido, acabou estabelecendo uma sólida ligação com Delúbio Soares, o tesoureiro, professor de matemática, goiano e com uma militância na CUT e no PT. Era outro desconhecido do grande público. Homem da máquina partidária, tornou-se muito poderoso, especialmente quando Lula venceu as eleições de outubro de 2002. Chegou até a fazer parte de uma comitiva presidencial, em novembro de 2003, que viajou para a África. Foi convidado por Lula. Era uma viagem oficial, e ele não tinha nenhum cargo no governo. Os dois (Valério e Delúbio), posteriormente, ocupariam o noticiário durante meses. (pág. 29)
(Delúbio Soares)
[...] Roberto Jefferson. O deputado compareceu à sessão da Comissão em 14 de junho. Deu um verdadeiro espetáculo. Debateu, acusou, representou. Provocou a ira dos denunciados no esquema do mensalão. Fez rir a platéia e se transformou na grande sensação dos jornalistas. Entre as frases de efeito, uma delas teve séria consequências políticas: “Sai daí, Zé!” Referia-se ao ministro José Dirceu, o homem forte do governo e chamado pelo presidente Lula de “capitão do time”. Foi o golpe de morte contra o poderoso ministro. Dois dias depois, Dirceu foi obrigado a pedir demissão. – (pág. 30)

Durante as investigações, a CPI concluiu, com base em informações do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), que esses empréstimos no Rural e BMG – totalizaram cerca de 55 milhões de reais – eram operações irregulares e de fachada que visavam abastecer o mensalão ao mesmo tempo em que favoreciam aquelas instituições bancárias. Esse favorecimento viria, segundo a CPI, de benefícios recebidos do governo federal – por exemplo, a aplicação de recursos de fundos de pensão nos bancos Rural e BMG. – (pág. 33)
(Roberto Jefferson)
[...] Ao mesmo tempo, Jefferson voltou as atenções para o Banco do Brasil ao afirmar que boa parte dos recursos recebidos do PT pelo seu partido vinham com etiquetas do banco: “Tem que procurar o Banco do Brasil também, porque recordo que, dos recursos que recebi do PT, 60 % eram notas com etiquetas do Banco do Brasil”. Nos meses seguintes, com as investigações, a CPI descobriria que recursos do Banco do Brasil chegaram até as agências de Marcos Valério por meio de contratos de publicidade com a Visanet. – (pág. 37)

[...] No depoimento, Duda Mendonça afirmou ainda que 10,5 milhões de reais pagos por Valério teriam chegado até ele por meio de uma conta no exterior, e que o valor restante havia sido pago no Brasil em espécie. O publicitário reconheceu também ter consciência de que o dinheiro tinha origem ilegal e era proveniente de caixa dois: “Esse dinheiro era claramente de caixa dois, a gente não é bobo. Nós sabíamos, mas não tínhamos outra opção, queríamos receber”.
O fato é que, diante das revelações de Duda Mendonça, as investigações avançaram em outra direção, buscando mapear possíveis movimentações financeiras no exterior com dinheiro de caixa dois por parte do PT. – (pág. 41)

Em 29 de março de 2006, a CPI apresentou seu relatório final, onde acabou não aparecendo sequer uma vez o nome do presidente Lula com alguém que sabia do mensalão ou que era responsável pela estruturação e pelo funcionamento do esquema. O documento de mais de 1.800 páginas adotou uma solução intermediária ao dizer que “não parece que havia dificuldade” para que o presidente da República percebesse “a anormalidade com que a maioria parlamentar se forjava”, com a ressalva de que não existia “qualquer fato que evidencie haver [o presidente Lula] se omitido”. – (pág. 45)

Numa sessão tensa, marcada por tentativas de obstrução, por dezenas de alterações de última hora no texto e por acusações do PT contra o presidente da CPI, que, segundo a bancada petista, teria infringido o regimento interno da Comissão durante a votação, o governo saiu derrotado no esforço de derrubar o documento final das investigações. Por dezessete votos a quatro, o relatório foi aprovado em plenário pelos integrantes da CPI, reconhecendo a existência do mensalão, mas poupando o presidente Lula. A sessão durou cerca de meia hora e retratou o clima de acirramento político que o caso suscitou dentro do PT, no governo, no Congresso e na relação entre a oposição e os aliados desde que apareceram as primeiras denuncias, em maio de 2005. Com aplausos e falas exaltadas, a firme e, talvez, inesperada posição assumida pelo relator e pelo presidente da CPI acirrou os ânimos, sobretudo de petistas, que, revoltados, chegaram a xingar o senador Delcídio Amaral no final da sessão, como fez o deputado Jorge Bittar (PT-RJ), que o chamou de “filho da puta” após a aprovação do relatório. O deputado Osmar Serraglio, relator da CPMI, foi carregado em triunfo pelos parlamentares. Os trabalhos foram encerrados e o relatório encaminhado para o Ministério Público Federal. – (pág. 47)

(Ex-Presidente Lula)
[...] em Paris, numa entrevista concedida por Lula a uma desconhecida jornalista brasileira, o presidente apresentou, pela primeira vez, publicamente, a tese e justificou com sua ética particular: “O que o PT fez do ponto de vista eleitoral é o que é feito no Brasil sistematicamente”. Nem ficou corado ao dizer: “O PT tem na sua ética uma das suas marcas mais extraordinárias”. Um mês depois, em 12 de agosto, numa reunião ministerial que foi transmitida em rede nacional de rádio e televisão, indiretamente, Lula reforçou a tese se dizendo “traído” e “indignado” diante das revelações: “eu não tenho nenhuma vergonha de dizer ao povo brasileiro que nós temos que pedir desculpas. O PT precisa pedir desculpas. O governo, onde errou, também tem de pedir desculpas”. Não falava do que nem de onde teria errado. E, pessoalmente, deixou claro que não tinha nenhuma responsabilidade nem sabia como tudo tinha ocorrido. Era um ingênuo, um puro. No meio da lama, era o único limpo, limpíssimo. – (pág. 47 e 48)

O PROCESSO

Ainda em julho de 2005, em pleno desenvolvimento dos trabalhos da CPI dos Correios, o STF recebeu o inquérito do mensalão, originária da Justiça Federal de Minas Gerais, e que foi aberto em 16 de maio. [...] O processo terminou lentamente, como de hábito na justiça brasileira. [...] Causou estranheza que muitos dos citados no relatório final da CPMI dos Correios e nas investigações da Polícia Federal acabaram não estando entre os acusados pela Procuradoria-Geral da República. O Banco BMG foi um deles. [...] Sem esquecer o caso do filho do presidente Lula, Fábio Lins, mais conhecido como Lulinha, que se quer fez parte do relatório final da CPMI dos correios. Ele era investigado porque a Telemar (atual Oi) investiu 5 milhões de reais na Gamecorp, uma ano após a formação da empresa de Lulinha. Era citado nominalmente, porém os trechos referentes ao filho do presidente acabaram suprimidos por pressão do Palácio do Planalto: “Essas informações chegavam para a gente, ‘ou vocês tiram ou nós vamos criar dificuldades para aprovar’”, disse, em 2012, o relator da CPMI, Osmar Serraglio. – (pág. 99 e 100) – (“Serraglio admite pressão para retirar menções à Gamecorp”. Folha de S. Paulo, 30 jul. 2012).

Depois de muita espera, finalmente, foi marcada para 22 de agosto de 2007 a sessão que iniciaria a apreciação da denúncia constante do inquérito 2245. À medida que esse dia se aproximava, a temperatura política aumentava. Para o governo, era um péssimo negócio a atenção concedida pela mídia ao julgamento. [...] Foi noticiado que o governo teria procurado alguns ministros para demonstrar preocupação com uma possível aceitação da denúncia – a maior preocupação era para salvar José Dirceu. [...] Os holofotes estavam concentrados em Joaquim Barbosa, o relator do processo. Os sinais era de que ele votaria pela abertura do processo penal. Foram relembrados vários casos em que Barbosa manteve firme postura contra acusados de corrupção, como ao negar habeas corpus a Paulo Maluf e seu filho Flávio, que estavam presos (acabou sendo voto vencido). [...] Finalmente chegou o dia do julgamento: 22 de agosto, uma quarta-feira. – (pág. 100 e 101)
(Ministro Joaquim Barbosa, relator no processo do "Mensalão")
[...] À descrição da quadrilha dedicou 28 páginas. O conjunto probatório demonstrou a

existência de uma sofisticada organização criminosa, dividida em setores de atuação, que se estruturou profissionalmente para a prática de crimes como peculato, lavagem de dinheiro, corrupção ativa, gestão fraudulenta, além de diversas formas de fraude. O objetivo era garantir a continuidade do projeto de poder do Partido dos Trabalhadores (p. 11).

Para isso, o PT contou com Marcos Valério, “um verdadeiro profissional do crime” (p. 12). E ele, em
(Marcos Valério)
conjunto com dirigentes do Banco Rural, notadamente o falecido José Augusto Dumont, [...] desenvolveu um esquema de utilização de suas empresas para transferência de recursos financeiros para campanhas políticas, cuja origem, simulada como empréstimos do Banco Rural, não é efetivamente declarada, mas as apurações demonstraram tratar-se de uma forma de pulverização de dinheiro público desviado através dos contratos de publicidade (p. 14).

De acordo com as provas colhidas, a PGR chegou à conclusão da “existência de uma complexa organização criminosa, dividida em três partes distintas, embora interligadas em sucessivas operações” (p. 15). O núcleo (político), sob comando de José Dirceu; operacional e financeiro (que depois do recebimento da denúncia será chamado de operacional), tendo à frente Marcos Valério; e o operacional e financeiro (chamado depois somente de financeiro), a cargo da alta direção do Banco Rural (p. 15). – (pág. 104 e 105)

[...] A atenção estava voltada para José Dirceu. O ex-ministro da Casa Civil acabou virando réu por corrupção ativa. A decisão foi unânime. Na terça feira, foi enquadrado como chefe de quadrilha. Só teve um voto contrário, o do ministro Ricardo Lewandowski. – (pág. 109)

[...] Os ministros Lewandowski e Cármem Lúcia estavam trocando mensagens pelo computador. Um fotógrafo do Jornal O Globo acabou fotografando as telas dos computadores e foi possível ver que os dois trocavam idéias sobre o voto do ministro Eros Grau. Diziam que o “Cupido”, como apelidaram Grau, iria votar pelo não recebimento da denuncia. Lewandowski responde à ministra: “Isso corrobora que ouve troca”. Queria dizer que Grau votaria a favor dos interesses do governo em troca de nomeação de Carlos Alberto Direito para o STF. A acusação era gravíssima. [...] Lewandowski tentou se explicar. Não conseguiu. [...] Grau chegou a designar o advogado José Geraldo Grossi para processá-lo por calúnia. Seria a primeira vez na história do Supremo que um ministro processaria o outro. Depois de alguns dias, a turma do “deixa-disso” acabou serenando os ânimos e o episódio foi encerrado.
(Ministro Ricardo Lewandowski, revisor no processo do "Mensalão")
Mas Lewandowski se meteu em outra enrascada. Na noite de 28 de agosto, na terça-feira em que o STF tinha acabado de receber a denúncia contra José Dirceu de formação de quadrilha, o ministro foi visto em um restaurante em Brasília por uma repórter da Folha de S. Paulo, falando nervosamente pelo telefone com um certo Marcelo. Dizia que “a tendência era para amaciar para o Dirceu”. E “que todo mundo votou com a faca no pescoço”. Na conversa de dez minutos também disse que a revelação do seu diálogo com a ministra Cármem Lúcia influenciou a votação anti-PT. Falou que se não fosse a divulgação dos diálogos iria divergir ainda mais de Barbosa: “Não tenha dúvida. Eu estava tinindo nos cascos”. – (No julgamento, Ricardo Lewandowski foi o que mais divergiu de Barbosa: 12 vezes) – (pág. 109 e 110).

Com a denúncia recebida, iniciou-se a ação penal. Ao longo de pouco mais de quatro anos, foram interrogados todos os réus, dezenas de testemunhas, provas foram produzidas – sempre preservando o contraditório. Sob a direção do ministro Joaquim Barbosa, relator do processo do mensalão, as investigações foram realizadas pelo Ministério Público Federal. Não foi um trabalho fácil, principalmente pela amplitude do que a PGR chamou de “sofisticada organização criminosa”, e pelo número de elevado de réus.

[...] E, com o passar dos anos, o significado do mensalão foi se apagando da lembrança popular.
Na batalha política da memória, Lula estava vencendo. Daí sua insistência de empurrar o
(Ex-presidente Lula em 2012)
julgamento para 2013. Sabia que o tempo ajudava a diminuir a importância do mensalão. O reaparecimento nas manchetes das mazelas que envolveram o a liderança petista enfraqueceria seu discurso de que tudo não tinha passado de uma conspiração das elites. [...] Se Barbosa não era alguém de confiança do ex-presidente, o mesmo não poderia ser dito do ministro revisor. Quanto mais demorasse a “revisão”, mais tempo haveria para pressionar ministros e até recompor a formação do STF com as aposentadorias de possíveis adversários e a nomeação de outros de estrita confiança petista, especialmente de Lula. [...]
A delonga na revisão foi logo percebida. A pressão dos próprios colegas – e, em especial, do ministro Ayres Britto – emparedou Lewandowski. O relatório de revisão foi entregue no primeiro semestre deste ano (2012) e o julgamento, marcado logo no reinício dos trabalhos da Corte, após as férias de julho. Em represália, o ministro não compareceu à reunião que estabeleceu o calendário do julgamento [...] O desespero tomou conta dos petistas. Lula procurou ministros do STF e, abertamente, os pressionou. Queria porque queria transferir o julgamento para 2013, sob o argumento de que não seria bom, para o PT, a coincidência com as eleições municipais. Em um desses encontros com o ministro Gilmar Mendes, chegou a insinuar que poderia envolvê-lo com a rede do crime organizado liderado por Carlinhos Cachoeira e que estava sendo investigada por uma CPMI. A reação pública do ministro expondo a chantagem virou um escândalo nacional. Dessa forma, o julgamento iria correr justamente durante o processo eleitoral de outubro, o que Lula queria evitar, mas não conseguiu. – (pág. 112 e 113)

A QUALQUER PREÇO
[...] a palavra foi transferida ao decano, o ministro Celso de Mello. [...] Fez um breve resumo. Foi firme e sinalizou o rumo do seu voto: “Tenho salientado nesta Corte que a desejável convergência entre ética e política nem sempre tem ocorrido ao longo do processo histórico brasileiro”. Seguiu o voto do relator, excetuando o segundo peculato atribuído a Cunha. E fez uma das melhores explanações sobre a relação entre ética e república:

Agentes públicos que se deixam corromper e particulares que corrompem os servidores do Estado são eles corruptos e corruptores, subversivos da ordem institucional. São eles os delinquentes da ética do poder, os infratores do erário que trazem consigo a marca da indignidade e portam o estigma da desonestidade.

E concluiu: “O fato é um só: quem tem o poder em suas mãos não tem o direito de exercer, em seu próprio benefício, a autoridade que lhe é concedida pelas leis da República”.
Ayres Britto retomou a palavra, mas resolveu transferir seu voto para a sessão seguinte. Pelas intervenções que fez, tudo indicava que seguiria o relator, como acabou ocorrendo, [...] Foi um péssimo dia para o PT e excelente para a democracia brasileira. [...] A impunidade dos poderosos parecia estar chegando ao fim. Os juízes não se impressionaram com ameaças, coações, muito menos com advogados pagos a peso de ouro. No sábado, dia 25, o New York Times publicou entrevista do ex-presidente Lula, onde o antigo mandatário repetia: “Não acredito que houve mensalão”. Era mais uma tentativa de emparedar o STF. Fracassou. Estava provado que o mensalão existiu, que ouve desvio de dinheiro público e que o PT usou desses recursos para se manter no poder. – (pág. 252 e 253)

OS RICOS TAMBÉM CHORAM

O momento mais importante e duro de falar do ministro Ayres Britto foi o das considerações sobre a lei 12.232, sancionada pelo presidente Lula em 2010. Britto chegou a rir quando comentou a lei. A iniciativa foi do então deputado José Martins Cardozo. O projeto permitia às empresas de publicidade embolsar as bonificações e descontos referentes à veiculação de propaganda. No processo de votação acabou recebendo emendas que faziam referência às licitações em andamento e, inclusive, aos contratos já encerrados. Era um verdadeiro escândalo, pois a lei servia para dar legalidade aos contratos do Banco do Brasil com as agências de Marcos Valério. E pior: foi usada pela ministra Ana Arraes, do Tribunal de Contas da União, para dar regularidade aos citados contratos. Britto foi incisivo: “Essa lei foi preparada intencionalmente, maquinadamente, para coonestar com os autos desta Ação Penal 470”. Disse mais: “É possível definir como um atentado veemente, desabrido e escancarado ao artigo 5º, inciso 36 da Constituição”. E não parou por aí: “Um trampo, me permita a coloquialidade, à função legislativa do Estado”. Recomendou também que “tribunal de contas não é órgão judiciante. Não faz parte do Poder Judiciário”. – (pág. 260 e 261)
(Ministro Ayres Britto, presidente do STF)
[...] Cármen Lúcia, sempre direta e objetiva, votou em 21 minutos e, em menos de um terço do tempo utilizado por Toffoli, disse muito mais. Dos dez acusados, condenou oito. [...] Lembrou que o item da lavagem de dinheiro “chama atenção pela importância. Nesse tipo de esquema delitivo, o dinheiro é para o crime o que o sangue é para a veia. Se não circular, não temos esquemas criminosos como esse. Há uma necessidade enorme de que existam instituições financeiras que se prestem para situações como essa”. E concluiu: “Não há dúvida de que houve a dissimulação de tomadas de empréstimos para tornar os recursos lícitos”. Isto é, “não só se forjava uma situação como se impedia a fiscalização”. – (pág. 283 e 284)
(Ministra Cármen Lúcia)
[...] Celso de Mello tomou a palavra. Foi brevíssimo: falou por 33 minutos. Em termos gerais, pode-se destacar do seu voto o momento da consideração sobre o crime de lavagem de dinheiro: “O fato irrecusável é que o dinheiro sujo interfere de modo criminoso no processo de crescimento econômico dos povos e das nações”. E continuou:

A lavagem de dinheiro e as infrações a ela relacionadas, como a corrupção, tornaram-se crimes que, com seus efeitos perversos e perniciosos, se tornaram instrumentos desestabilizadores dos sistemas econômicos e financeiros. – (pág. 284 e 285)

OS MARGINAIS DO PODER
A vigésima quarta sessão estava sendo aguardada com muita expectativa. Afinal, depois de 45 dias, finalmente, o julgamento estava entrando no item principal da denúncia: a compra de apoio parlamentar no Congresso Nacional, operação engendrada principalmente pelo desvio de recursos públicos. Era o capítulo mais longo da denúncia – e o mais polêmico. Entre os acusados estavam não só parlamentares do PMDB, do PTB, do PL (atual PR) e do PP, mas também do PT, que integravam esse item. E mais: José Dirceu, ex-chefe da Casa Civil, considerado o chefe da quadrilha pela Procuradoria-Geral da República. – (pág. 289)

A temperatura política se elevou ainda mais quando a revista Veja publicou uma entrevista de Marcos Valério. As declarações do publicitário deixaram o governo muito preocupado. Valério tinha dito que temia pela sua vida: “Vão me matar. Tenho que agradecer por estar vivo até hoje”. Afirmava que o caixa do PT no mensalão havia sido de 350 milhões de reais, muito superior ao estimado pela PGR. E Lula teria, de acordo com ele, participado diretamente na arrecadação desse dinheiro. Empresários, depois de se reunir com o presidente, entregavam sua “contribuição”. O braço direito do esquema criminoso seria José Dirceu, mas o chefe era Lula: “Só não sobrou para o Lula, porque eu, o Delúbio e o Zé não falamos”, disse Valério, relatando que seu contato com o PT, após a revelação do escândalo, tinha sido Paulo Okamoto. “O papel dele era me acalmar”, contou. – (pág. 290)

[...] E foi taxativo: não há “nenhuma dúvida da existência do esquema de compra de votos a essa altura do julgamento. Não vislumbro qualquer deficiência probatória quanto a esses crimes”.
Barbosa fez questão, ainda, de mencionar Lula:

Todos os interlocutores citados por Roberto Jefferson, entre os quais o ex-presidente Lula, afirmaram que foram informados sobre a distribuição de dinheiro a parlamentares para que votassem a favor de projetos de interesse do governo.

[...] O ministro lembrou que os réus sabiam da origem do dinheiro e mandavam Genu para sacá-lo; e descreveu o modus operandi da quadrilha. Delúbio indicava quem deveria receber o dinheiro, Valério emitia o cheque e comunicava ao rural quem iria recebê-lo. A SMP&B era quem aparecia como sacadora. Dessa forma, os réus do PP,

a fim de não deixar rastro, pois sabia que os recursos eram fruto de crime contra a administração pública e o sistema financeiro nacional, os reais beneficiários indicavam terceiros para o recebimento dos valores. Assim também dissimulavam a origem, natureza e propriedade desses valores. – (pág. 292 e 293)

Às 16h18, o ministro Celso de Mello tomou a palavra. Falou por quase uma hora e meia e acatou integralmente o voto do relator, absolvendo apenas Antonio Lamas. Foi um voto histórico. Definiu claramente o objetivo dos réus:

Um projeto criminoso por eles concebido e executado, em verdadeiro assalto à Administração Pública, com graves e irreversíveis danos ao princípio ético-jurídico da probidade administrativa e com sério comprometimento da dignidade da função pública, além de lesão e valores outros, como a integridade do sistema financeiro nacional, a paz pública, a credibilidade e a estabilidade da ordem econômico-financeira do país, postos sob a imediata tutela jurídica do ordenamento penal.

[...] Mello insistiu na tese de que a quadrilha do mensalão tinha posto em risco a paz social: “O ato de corrupção constitui um gesto de perversão da ética do poder e da ordem jurídica, cuja observância se impõe a todos os cidadãos desta República que não tolera o poder que corrompe nem admite o poder que se deixa corromper”.
Por isso é que “o corruptor e o corrupto devem ser punidos exemplarmente, na forma da lei”. Mello ainda definiu com propriedade o significado do Estado:

Este processo criminal revela a face sombria daqueles que, no controle do aparelho de Estado, transformaram a cultura da transgressão em prática ordinária e desonesta de poder, como se o exercício da instituição da República pudesse ser degradado a uma função de mera satisfação instrumental de interesses governamentais e de desígnios pessoais.

[...] A corrupção tem um efeito social nocivo e prejudicial, especialmente para os cidadãos mais pobres: “Compromete a execução de políticas públicas em áreas sensíveis como as da saúde, da educação, da segurança pública e do próprio desenvolvimento do país, além de afetar o próprio princípio democrático”.

[...] O ministro Celso de Mello encerrou seu voto de forma lapidar, relacionando as ações dos mensaleiros à desmoralização da República política:

Esses vergonhosos atos de corrupção parlamentar, profundamente lesivos à dignidade do ofício legislativo e à respeitabilidade do Congresso Nacional, alimentados por transações obscuras idealizadas e implementadas em altas esferas governamentais, com o objetivo de fortalecer a base de apoio político e de sustentação legislativa no Parlamento brasileiro, devem ser condenados e punidos com o peso e o rigor das leis desta república, porque significam tentativa imoral e ilícita de manipular, criminosamente, à margem do sistema constitucional, o processo democrático, comprometendo-lhe a integridade, conspurcando-lhe a pureza e suprimindo-lhe os índices essenciais de legitimidade, que representam atributos necessários para justificar a prática honesta e o exercício regular do poder aos olhos dos cidadãos desta nação. Esse quadro de anomalia, Senhor Presidente, revela as gravíssimas consequências que derivam dessa aliança profana, desse gesto infiel e indigno de agentes corruptores, públicos e privados, e de parlamentares corruptos, em comportamentos criminosos, devidamente comprovados, que só fazem desqualificar e desautorizar, perante as leis criminais do país, a atuação desses marginais do poder. (pág. 313 a 317)
(José Genoino, ex-presidente do PT e condenado no "Mensalão")
[...] Marco Aurélio aproveitou a oportunidade para recordar que não havia ocorrido questionamento ideológico nas votações, dentro da lógica do esquema criminoso. Longe disso: “Não é crime integrante de partidos aliados votarem no mesmo sentido. O que eles não podem fazer é votar a partir da prata, do recebimento de vantagem”. Às 18h50, encerrou-se a votação histórica [...] Depois de sete anos de muitas polêmicas, pressões e acusações, havia sido condenada a direção do Partido dos Trabalhadores por corrupção ativa – e ainda estavam aguardando a apreciação da acusação de formação de quadrilha. Delúbio Soares obteve a unanimidade dos juízes na condenação, José Genoino teve somente um voto pela absolvição e José Dirceu acabou condenado com o placar de uma goleada numérica: 8 a 2. – (Pág. 347)

OS CONDENADOS
A condenação do núcleo petista, na quarta-feira, dia 10 de outubro, teve enorme repercussão política. Foi saudada como uma vitória do Estado Democrático de Direito, dos valores republicanos e das liberdades democráticas. A impunidade tão presente na história contemporânea nacional – parecia ter sofrido um duro golpe. – (pág. 351)

Na reunião da direção nacional do PT, José Dirceu proclamou que a melhor resposta era vencer as eleições municipais e derrotar “nossos adversários”, dando a entender que entre os “nossos adversários” estavam incluídos os ministros do STF que o haviam condenado por corrupção ativa. A relação entre as urnas e o veredito da Suprema Corte também foi usado pelo ex-presidente Lula. Em visita à Argentina, disse que sua reeleição, em 2006, tinha sido a sua “absolvição”, estabelecendo um paralelo absolutamente inexistente entre os votos dos ministros em um processo recheado de provas e uma eleição presidencial, quando o eleitor escolhe um candidato em meio a uma campanha. Vindo de quem veio, foi até uma declaração sensata, principalmente porque tinha dito logo após o veredito – quando ainda estava no Brasil – que o PT deveria ir para a guerra: “Não queríamos guerra. Mas, já que eles nos chamaram, vamos para a guerra”. – (pág. 352)

O placar estava 4 a 4 quando  decano do STF, o ministro Celso de Mello, começou a pronunciar seu voto. Não deixou qualquer margem à dúvida, afirmando logo nas primeiras palavras: “Em mais de 44 anos de atuação na área jurídica, nunca presenciei um caso em que o delito de quadrilha se apresentasse tão nitidamente caracterizado”. Falou durante quarenta minutos. Foi um voto histórico. O crime, para ele, estava mais que comprovado: “Pouco importa que haja um chefe ou um líder. O que importa é o propósito deliberado de participação de forma estável ou permanente para as ações do grupo”. E continuou:

Eu nunca vi algo tão claro, a não ser essas outras associações criminosas que, na verdade, tantos males causam aos cidadãos brasileiros, como as organizações criminosas existentes no Rio de Janeiro e aquela perigosíssima, hoje em atuação no estado de São Paulo. [...] A essa sociedade de delinquentes o Direito penal dá um nome: quadrilha ou bando.

(O Ministro Celso de Mello sempre preciso em suas palavras, pode-se dizer que foi brilhante durante o processo)
[...] Por fim, fez um alerta importante e esclarecedor: “Não se está a incriminar a atividade política, mas sim a punir aqueles que não se mostraram capazes de exercê-la com honestidade, integridade e elevado interesse público”. Numa resposta a Lula – que deu sucessivas declarações dizendo que as urnas já tinham absolvido o PT – declarou:

Votações eleitorais não constituem, em um Estado fundado em bases democráticas, não qualificam nem constituem um impedimento de punibilidade, ainda que ungidos de poder, não se subtraem ao alcance das leis Republicanas. Afinal, a idéia de República traduz um valor essencial que exprime um dogma fundamental: o da plena responsabilidade de todos perante a lei, além do primado da igualdade jurídica. Esse dogma deve prevalecer sempre. Ninguém tem legitimidade para transgredir as leis do nosso país.

Nada justifica a violência contra o Estado Democrático de Direito: “A conquista e a preservação temporária do poder em qualquer formação social, regida por padrões democráticos, [...] não autoriza quem quer que seja [...] a utilizar meios criminosos ou expedientes juridicamente marginais”. O mensalão – a expressão é minha e não do decano – representou “um dos episódios mais vergonhosos da história política do país”. E voltou a dissociar a política republicana dos mensaleiros: “Estamos a condenar não todos os políticos, mas sim protagonistas de sórdidas tramas criminosas”. E encerrou com chave de ouro: “Os réus desta ação devem ser punidos como delinquentes”. [...] foram palavras duras, mas precisas. – (pág. 374 a 376)

AMANHÃ VAI SER OUTRO DIA?

O julgamento do mensalão atingiu duramente o Partido dos Trabalhadores. As revelações acabaram por enterrar definitivamente o figurino construído ao longo de décadas de um partido ético, republicano e defensor dos mais pobres. Agora é possível entender as razões que tinham levado sua liderança a tentar, por todos os meios, impedir realização do julgamento. Não queriam a publicização das práticas criminosas e das reuniões clandestinas, algumas delas ocorridas no interior do próprio Palácio do Planalto – caso único na história brasileira. – (pág. 385)

[...] A recepção da liderança às condenações demonstra como os petistas têm uma enorme dificuldade de conviver com a democracia. Primeiramente, logo após a eclosão do escândalo, Lula pediu desculpas em rede nacional.
No final do governo, mudou de opinião: iria investigar o que aconteceu, sem explicar como e com quais instrumentos, pois seria um ex-presidente. Em 2011, apresentou uma terceira explicação: tudo era uma farsa, não tinha existido o mensalão. Agora tinha apresentado uma quarta versão: teria sido absolvido pelas urnas – um ato falho, registre-se, pois não era um dos réus do processo. – (pág. 386)
O processo do mensalão permitiu também lançar novas luzes sobre o funcionamento do Estado brasileiro. As dezenas de depoimentos e as negociatas exemplificam de forma cristalina como o interesse privado se sobrepôs ao interesse público. Mostraram que ainda é possível, com relativa facilidade, apresar o coração do Estado em proveito de um projeto de poder criminoso. Em outras palavras, revelou a fragilidade das instituições democráticas.
Não faltam constituições, códigos, leis, decretos, um emaranhado legal caótico. Mas nada consegue regular o bom funcionamento da democracia brasileira. Ética, moralidade, competência, eficiência e compromisso público simplesmente desapareceram. Temos um amontoado de políticos vorazes, saqueadores do erário. Vivemos uma época do vale-tudo. Desapareceram os homens públicos. Foram substituídos pelos políticos profissionais. Todos querem enriquecer a qualquer preço – e rapidamente. Não importam os meios. São anos marcados pela hipocrisia. Não há mais ideologia. Longe disso.  Disputa política é pelo poder, que tudo pode e nada é proibido. Os poderosos exercem o controle do Estado – controle no sentido mais amplo e autocrático possível. Feio não é violar a lei, mas perder uma eleição, estar distante do governo. – (pág. 389)

As decisões do STF dão um alento, uma esperança de que é possível imaginar uma república onde os valores predominantes não sejam o da malandragem e o da corrupção, na qual o desrespeito à coisa pública receba a devida punição.
Aproveitando a citação de Chico Buarque feita no julgamento por um advogado de defesa de um condenado (suprema ironia), amanhã poderá ser outro dia. Mas, para que isso se materialize de forma permanente, é necessário mudar radicalmente a forma de fazer política e de participar dela. Não é tarefa de curta duração. É preciso refundar a República. Caso contrário, outros Delúbio, Josés, Marcos, Kátias, Valdemares surgirão. (pág. 390)

Esses são alguns dos trechos retirados do livro “Mensalão” e que dão uma idéia clara de como essa “sofisticada organização criminosa” agia. Para conhecer a história na íntegra com o dia a dia do mensalão, adquiram o livro, tenho certeza que irão gostar, principalmente pela forma com que é contada a história por esse grande historiador, Marco Antonio Villa. Ficando ainda por dentro desse assunto que faz parte da história do nosso país, e volto a falar que, jamais deve ser esquecida.

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Fontes:
Mensalão: o julgamento do maior caso de corrupção da história política brasileira / Marco Antonio Villa – São Paulo: Leya, 2012.
Veja: A mulher que sabe demais... E o homem que nunca sabe de nada / São Paulo: Editora Abril, 5 de Dezembro de 2012.

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